domingo, 29 de maio de 2016

Nenê Macaggi: provocações




Nenê Macaggi: provocações



           1 – Localizando-nos

O estado de Roraima localiza-se no extremo norte do Brasil. É conhecido pela presença de povos étnicos, dinamizadores de comunidades tradicionais da Amazônia brasileira.

Em 2011, formulei um projeto de Mestrado, apresentei ao Programa de Pós-graduação em Educação da UNISO-Sorocaba/SP e fui aceito. Foi um período de intensa produção intelectual e de acolhimento mútuo.
O resultado dessa experiência foi a Dissertação intitulada ‘Narrativas dos moradores da terra indígena do alto São Marcos-RR: diálogos para além das fronteiras do cotidiano escolar’, sobre a orientação do Profº. Dr. Marcos Reigota, defendida em 2013.  Após esse momento, dediquei-me a reunir documentos que tivessem a fronteira Pan-Amazônica Brasil/Venezuela como referência. Pautei minhas buscas na etnografia e em documentações que apontassem as implicações da dinâmica social cotidiana vivenciada nesta respectiva fronteira; tal recorte, teve por foco manifestações artísticas, literárias e culturais.
Neste exercício, deparei-me com as obras de Macaggi ainda em 2013. Na ocasião já havia sido incluída, na listagem das exigidas como leitura obrigatória ao exame Vestibular para ingresso na UFRR (Universidade Federal de Roraima). Desde então, tenho reunido as produções sobre/da autora e informações daqueles que tem escrito sobre ela. Garanto a vocês que não são tantos assim.
Por desenvolver minhas atividades profissionais na UERR (Universidade Estadual de Roraima), Campus de Pacaraima, cidade fronteiriça com a Venezuela, mais precisamente no curso de Letras ofertado naquele município, tenho partido das obras da referida autora com o intuito de verificar a dinâmica vida cotidiana, pessoas/povos, que tencionam suas relações neste espaço. Como maneira de sistematização registrei, em junho de 2014, na PROPS-UERR o projeto investigativo “Representações da violência no romance A Mulher no Garimpo: o romance no extremo sertão do amazonas, de Nenê Macaggi” que busca verificar, a partir das vozes que a obra apresenta, quais indícios de violência poderiam ser constatados; visto que a obra em questão foi publicada na década de 1970, mais precisamente em 1976, período de intensificação da Ditadura Militar que acometeu a nação brasileira.
As pesquisas realizadas, junto ao exercício de leitura, constataram a extensa produção intelectual de Nenê. Contudo, e mais agravante ainda foi constatar que as obras da referida autora ainda permanecem a margem das produções literárias na Amazônia brasileira, e não somente.
Esta condição de marginalidade a qual foram relegadas as escritoras, principalmente na Amazônia, talvez possa nos apontar sobre a relevância dos estudos sobre as obras de Nenê Macaggi, não apenas por debater aspectos sócio-históricos, políticos e culturais, mas por contribuir significativamente para um outro olhar e possibilidade sobre os estudos a respeito de escritoras e escritores da/na região amazônica.
Volto a frisar que o período apontado nas obras foi de grande efervescência na região amazônica: garimpagem, pistolagem, expansionismo desenvolvimentista, migrações; tudo isso, em meio ao regime militar que acometeu a nação brasileira.
Para além disto, parece-nos que as obras de Nenê Macaggi acrescentam-se, entre as tantas, cujo os registros, oficiais e oficiosos, de nossa tradição periodista historiográfica literária brasileira, tornou-as invisíveis por muito tempo e poucos leitores tiveram acesso a essa significativa produção. Além do mais, quando se fala em autores que produziram obras literárias, principalmente no norte do país é comum certo desconhecimento e estado de surpresa; e mais ainda, quando esta atividade tenha sido exercida e dinamizadas por mulheres.

2 – Um pouco mais sobre Nenê Macaggi

O espaço conhecido como amazônico e a trajetória da autora, segundos consta, se articulam na década de 1940. Contudo antes disso ela já exercia intensa atividade literária.
Penso que seja oportuno descrever, neste momento, algumas outras informações sobre a autora e que nos ajudam a contextualizar melhor sua presença no espaço amazônico, mais precisamente em Roraima: Maria Macaggi (nasceu em 24 de abril de 1913, em Paranaguá-Pr, falecida em março de 2003, Boa Vista-RR), mais conhecida no meio artístico como Nenê, é assim que aparece na produção literária e jornalística do estado de Roraima.
Macaggi chega a região norte do país em 1940 havia sido enviada, pelo governo federal, para desenvolver atividades jornalísticas descritiva sobre os territórios federais da região vinculada ao Sistema de Proteção ao Índio (SPI). Inicialmente fixou residência no estado do Amazonas (1941); tempos depois, segue para a região onde hoje é o Estado de Roraima e assim continua suas atividades. Contudo, deve ser ressaltado que antes de sua chegada a esta região, Nenê já exercia intensa atividade literária e jornalística, constatam-se romances e crônicas (Água Parada e Chica Banana, 1930) e contos (Contos de Dor e Sangue, 1940), dessa época.
Ressalto que, além dessas merecem destaques, precisamente o romances que iniciam a literatura produzida em Roraima (A Mulher no Garimpoo romance no extremo sertão do amazonas; seguidos de Nara-Sue Uarená – o romance dos Xamatautheres do Parima e Dadá Gemada, doçura e amargura - romance do fazendeiro de Roraima), todos publicados pós 1970 e que só recentemente estão sendo reeditados. Destaco ainda, muitos outros, como: Conto de Amor e Conto de Dor (ambos de 1970), Exaltação ao Verde (1980), Contos de Amor Sentimentais e trágicos (1988), A Paixão é Coisa Terrível (1990).

3 – Algo a mais

Recentemente, buscando dados através da internet referente a autora, deparei-me com um poema produzido por Zanny Adairalba. O texto é bem ao estilo dos cordéis produzidos no nordeste brasileiro e reconstrói a trajetória vivenciada por Macaggi em Roraima. Insta frisar que Roraima recebeu grande leva de nordestinos resultante das políticas desenvolvimentistas implementada na Amazônia.  Vejamos o fragmento textual:

“[…] E conta o povo dali
Que aquela mulher guerreira
Se disfarçou foi de homem
Com calça, bota e peixeira

Pra trabalhar no garimpo
Usando enxada e peneira

Cortou cabelo bem curto
Meteu-se naquela lama
Falava pouco com os outros
Pra não estragar sua trama
Seguia assim, bem discreta
Pra desviar-se de drama

Pois tudo o que ela queria
Era colher informação
De forma bem mais precisa
Além do lápis na mão
E assim, a moça, algum tempo
Passou-se por “cidadão”

E nesse seu trabalhar
No barro do Tepequém
A vida do garimpeiro
Ela traçou muito bem
Com a história da pecuária
Com a dos índios também

Até que um dia um senhor
Achou um tanto estranho:
Que aquele “moço” calado
Não se mostrava no banho
E assim, Nenê foi-se embora
Vendo o perigo tamanho

Mas que ela foi corajosa
Está bem claro de ver
Depois publicou seu livro
Deixou pra mim, pra você
Foi “A mulher do garimpo”
Tesouro do escrever!

Uma herança pra história
Firmada com louvação
Traçada em linhas bem postas
De um tempo em que o cidadão
Ganhava ou perdia a vida
Tirando ouro do chão […]”.

                    (http://obenedito.com.br/mulher-garimpo/)







 “Eu fico impressionada que ainda hoje, mesmo depois de tantas discussões, trabalhos sobre a sua vida, exposições, tanta gente diz que nunca ouviu falar dela, que não sabia quem ela era”, lamenta Elena Fioretti.”
(In  http://www.jornalroraimahoje.com.br/index.php/2015-04-15-23-51-03/26-nene-macaggi-uma-aranaense-que-marcou-a-historia-cultura-de-roraima)


 Não significando uma conclusão
            É fato que autoras e autores que dinamizaram suas produções artísticas na região amazônica estiveram, durante muito tempo, a margem dos holofotes das grandes editoras brasileiras. Ontudo faz-se necessário que seja possibilitado a circulação desses textos, pois esta condição de invisibilidade contribui para esse anonimato fortalecendo o discurso sobre o cânone como algo inquestionável.
            Partindo desse princípio, formulei, e foi aceita, uma proposta de Doutorado ao PPGL-UFPA em Estudos Literários/2016 cujo referente constitui-se em um redimensionamento sobre o que se observa sobre o cânone Literário. Parto do princípio da relevante contribuição de autores/as que desenvolveram intensa produção literária no Brasil, mais precisamente na Amazônia e que foram relegados ao esquecimento.
            Frente a isto questionamentos nos conduzem:
·         Qual o discurso que regula e outorga o cânone literário?
·    As obras de Nenê Macaggi contribuiriam para uma revisão historiográfica do cânone literário na Amazônia?
Para além destas indagações iniciais, muitas outras foram formatadas e nos conduziram a percepção da relevância dos estudos sobre autoras/es que ficaram invizibilizados ao longo do tempo. Nem por isso suas produções são menos relevante e/ou significativas para estudos literários, historiográficos, sociais e culturais.

Por fim, acredito que muito ainda há de ser revisto na proposta que me ocupo, e talvez ganhe ela outro desdobramento que não este apontado agora; porém, acredito que sustente as indagações iniciais e dão o significado ao me proponho, inicialmente, para este trabalho.