Nenê Macaggi: provocações
1 – Localizando-nos
O estado de Roraima localiza-se no
extremo norte do Brasil. É conhecido pela presença de povos étnicos,
dinamizadores de comunidades tradicionais da Amazônia brasileira.
Em 2011, formulei um projeto de
Mestrado, apresentei ao Programa de Pós-graduação em Educação da
UNISO-Sorocaba/SP e fui aceito. Foi um período de intensa produção intelectual
e de acolhimento mútuo.
O resultado dessa experiência foi a
Dissertação intitulada ‘Narrativas dos moradores da terra indígena do alto São
Marcos-RR: diálogos para além das fronteiras do cotidiano escolar’, sobre a
orientação do Profº. Dr. Marcos Reigota, defendida em 2013. Após esse
momento, dediquei-me a reunir documentos que tivessem a fronteira Pan-Amazônica
Brasil/Venezuela como referência. Pautei minhas buscas na etnografia e em
documentações que apontassem as implicações da dinâmica social cotidiana
vivenciada nesta respectiva fronteira; tal recorte, teve por foco manifestações
artísticas, literárias e culturais.
Neste exercício, deparei-me com as
obras de Macaggi ainda em 2013. Na ocasião já havia sido incluída, na listagem
das exigidas como leitura obrigatória ao exame Vestibular para ingresso na UFRR
(Universidade Federal de Roraima). Desde então, tenho reunido as produções
sobre/da autora e informações daqueles que tem escrito sobre ela. Garanto a
vocês que não são tantos assim.
Por desenvolver minhas atividades
profissionais na UERR (Universidade Estadual de Roraima), Campus de Pacaraima,
cidade fronteiriça com a Venezuela, mais precisamente no curso de Letras
ofertado naquele município, tenho partido das obras da referida autora com o
intuito de verificar a dinâmica vida cotidiana, pessoas/povos, que tencionam
suas relações neste espaço. Como maneira de sistematização registrei, em junho
de 2014, na PROPS-UERR o projeto investigativo “Representações da violência no
romance A Mulher no Garimpo: o romance no extremo sertão do amazonas, de Nenê
Macaggi” que busca verificar, a partir das vozes que a obra apresenta, quais
indícios de violência poderiam ser constatados; visto que a obra em questão foi
publicada na década de 1970, mais precisamente em 1976, período de
intensificação da Ditadura Militar que acometeu a nação brasileira.
As pesquisas realizadas, junto ao
exercício de leitura, constataram a extensa produção intelectual de Nenê.
Contudo, e mais agravante ainda foi constatar que as obras da referida autora
ainda permanecem a margem das produções literárias na Amazônia brasileira, e
não somente.
Esta condição de marginalidade a qual
foram relegadas as escritoras, principalmente na Amazônia, talvez possa nos
apontar sobre a relevância dos estudos sobre as obras de Nenê Macaggi, não
apenas por debater aspectos sócio-históricos, políticos e culturais, mas por
contribuir significativamente para um outro olhar e possibilidade sobre os
estudos a respeito de escritoras e escritores da/na região amazônica.
Volto a frisar que o período apontado nas obras foi de grande
efervescência na região amazônica: garimpagem, pistolagem, expansionismo
desenvolvimentista, migrações; tudo isso, em meio ao regime militar que
acometeu a nação brasileira.
Para além disto, parece-nos que as
obras de Nenê Macaggi acrescentam-se, entre as tantas, cujo os registros,
oficiais e oficiosos, de nossa tradição periodista historiográfica literária
brasileira, tornou-as invisíveis por muito tempo e poucos leitores tiveram
acesso a essa significativa produção. Além do mais, quando se fala em autores
que produziram obras literárias, principalmente no norte do país é comum certo
desconhecimento e estado de surpresa; e mais ainda, quando esta atividade tenha
sido exercida e dinamizadas por mulheres.
2 – Um pouco mais sobre Nenê Macaggi
O espaço conhecido como amazônico e a
trajetória da autora, segundos consta, se articulam na década de 1940. Contudo
antes disso ela já exercia intensa atividade literária.
Penso que seja oportuno descrever,
neste momento, algumas outras informações sobre a autora e que nos ajudam a
contextualizar melhor sua presença no espaço amazônico, mais precisamente em
Roraima: Maria Macaggi (nasceu em 24 de abril de 1913, em Paranaguá-Pr,
falecida em março de 2003, Boa Vista-RR), mais conhecida no meio artístico como
Nenê, é assim que aparece na produção literária e jornalística do estado de
Roraima.
Macaggi chega a região norte do país em
1940 havia sido enviada, pelo governo federal, para desenvolver atividades
jornalísticas descritiva sobre os territórios federais da região vinculada ao
Sistema de Proteção ao Índio (SPI). Inicialmente fixou residência no estado do
Amazonas (1941); tempos depois, segue para a região onde hoje é o Estado de
Roraima e assim continua suas atividades. Contudo, deve ser ressaltado que
antes de sua chegada a esta região, Nenê já exercia intensa atividade literária
e jornalística, constatam-se romances e crônicas (Água Parada e
Chica Banana, 1930) e contos (Contos de Dor e Sangue, 1940), dessa
época.
Ressalto que, além dessas merecem
destaques, precisamente o romances que iniciam a literatura produzida em
Roraima (A Mulher no Garimpo: o romance no extremo
sertão do amazonas; seguidos de Nara-Sue Uarená – o romance
dos Xamatautheres do Parima e Dadá Gemada, doçura e
amargura - romance do fazendeiro de Roraima), todos
publicados pós 1970 e que só recentemente estão sendo reeditados.
Destaco ainda, muitos outros, como: Conto de Amor e Conto de Dor (ambos
de 1970), Exaltação ao Verde (1980), Contos de Amor
Sentimentais e trágicos (1988), A Paixão é Coisa Terrível (1990).
3 – Algo a mais
Recentemente, buscando dados através da
internet referente a autora, deparei-me com um poema produzido por Zanny
Adairalba. O texto é bem ao estilo dos cordéis produzidos no nordeste
brasileiro e reconstrói a trajetória vivenciada por Macaggi em Roraima. Insta
frisar que Roraima recebeu grande leva de nordestinos resultante das políticas
desenvolvimentistas implementada na Amazônia. Vejamos o fragmento
textual:
“[…] E conta o povo dali
Que aquela mulher guerreira
Se disfarçou foi de homem
Com calça, bota e peixeira
Pra trabalhar no garimpo
Usando enxada e peneira
Cortou cabelo bem curto
Meteu-se naquela lama
Falava pouco com os outros
Pra não estragar sua trama
Seguia assim, bem discreta
Pra desviar-se de drama
Pois tudo o que ela queria
Era colher informação
De forma bem mais precisa
Além do lápis na mão
E assim, a moça, algum tempo
Passou-se por “cidadão”
E nesse seu trabalhar
No barro do Tepequém
A vida do garimpeiro
Ela traçou muito bem
Com a história da pecuária
Com a dos índios também
Até que um dia um senhor
Achou um tanto estranho:
Que aquele “moço” calado
Não se mostrava no banho
E assim, Nenê foi-se embora
Vendo o perigo tamanho
Mas que ela foi corajosa
Está bem claro de ver
Depois publicou seu livro
Deixou pra mim, pra você
Foi “A mulher do garimpo”
Tesouro do escrever!
Uma herança pra história
Firmada com louvação
Traçada em linhas bem postas
De um tempo em que o cidadão
Ganhava ou perdia a vida
Tirando ouro do chão […]”.
(http://vamosfalar-jornalismocultural.blogspot.com/2013/04/livros-de-nene-macaggi-serao-ancados.html)
“Eu fico impressionada que ainda hoje, mesmo depois de tantas
discussões, trabalhos sobre a sua vida, exposições, tanta gente diz que nunca
ouviu falar dela, que não sabia quem ela era”, lamenta Elena Fioretti.”
(In
http://www.jornalroraimahoje.com.br/index.php/2015-04-15-23-51-03/26-nene-macaggi-uma-aranaense-que-marcou-a-historia-cultura-de-roraima)
Não significando uma conclusão
É fato que autoras e autores que dinamizaram suas produções artísticas na
região amazônica estiveram, durante muito tempo, a margem dos holofotes das
grandes editoras brasileiras. Ontudo faz-se necessário que seja possibilitado a
circulação desses textos, pois esta condição de invisibilidade contribui para
esse anonimato fortalecendo o discurso sobre o cânone como algo inquestionável.
Partindo desse princípio, formulei, e foi aceita, uma proposta de Doutorado ao
PPGL-UFPA em Estudos Literários/2016 cujo referente constitui-se em um
redimensionamento sobre o que se observa sobre o cânone Literário. Parto do
princípio da relevante contribuição de autores/as que desenvolveram intensa
produção literária no Brasil, mais precisamente na Amazônia e que foram
relegados ao esquecimento.
Frente a isto questionamentos nos conduzem:
· Qual
o discurso que regula e outorga o cânone literário?
· As obras de Nenê
Macaggi contribuiriam para uma revisão historiográfica do cânone literário na
Amazônia?
Para além destas indagações iniciais,
muitas outras foram formatadas e nos conduziram a percepção da relevância dos
estudos sobre autoras/es que ficaram invizibilizados ao longo do tempo. Nem por
isso suas produções são menos relevante e/ou significativas para estudos
literários, historiográficos, sociais e culturais.
Por fim, acredito que muito ainda há de
ser revisto na proposta que me ocupo, e talvez ganhe ela outro desdobramento
que não este apontado agora; porém, acredito que sustente as indagações
iniciais e dão o significado ao me proponho, inicialmente, para este trabalho.